Brizola e a "Legalidade"
Pronunciamento do governador Leonel Brizola, transmitido
pela Rádio Guaíba, direto da sede do governo, o Palácio Piratini, em Porto
Alegre, no dia 28 de agosto de 1961)
"Peço a vossa atenção para as comunicações que vou
fazer. Muita atenção. Atenção, povo de Porto Alegre! Atenção Rio Grande do Sul!
Atenção Brasil! Atenção meus patrícios, democratas e independentes, atenção
para estas minhas palavras!
"Em primeiro lugar, nenhuma escola deve funcionar em
Porto Alegre. Fechem todas as escolas. Se alguma estiver aberta, fechem e
mandem as crianças para junto de seus pais. Tudo em ordem. Tudo em calma. Tudo
com serenidade e frieza. Mas mandem as crianças para casa. Quanto ao trabalho,
é uma iniciativa que cada um deve tomar, de acordo com o que julgar
conveniente.
"Quanto às repartições públicas estaduais, nada há de
anormal. Os serviços públicos terão o seu início normal, e os funcionários
devem comparecer como habitualmente, muito embora o Estado tolerará qualquer
falta que, porventura, se verificar no dia de hoje..
"Tenho os fatos mais graves a revelar"
"Hoje, nesta minha alocução, tenho os fatos mais graves
a revelar. O Palácio Piratini, meus patrícios, está aqui transformado em uma
cidadela, que há de ser heróica, uma cidadela da liberdade, dos direitos
humanos, uma cidadela da civilização, da ordem jurídica, uma cidadela contra a
violência, contra o absolutismo, contra os atos dos senhores, dos prepotentes.
No Palácio Piratini, além da minha família e de alguns servidores civis e
militares do meu gabinete, há um número bastante apreciável, mas apenas
daqueles que nós julgamos indispensáveis ao funcionamento dos serviços da sede
do Governo. Mas todos os que aqui se encontram estão de livre e espontânea
vontade, como também grande número de amigos que aqui passou a noite conosco e
retirou-se, hoje, por nossa imposição.
"Aqui se encontram os contingentes que julgamos
necessários. da gloriosa Brigada Militar o Regimento Bento Gonçalves e outras
forças. Reunimos aqui o armamento de que dispúnhamos. Não é muito, mas também
não é pouco para aqui ficarmos preocupados frente aos acontecimentos. Queria
que os meus patrícios do Rio Grande e toda a população de Porto Alegre, todos
os meus conterrâneos do Brasil, todos os soldados da minha terra querida
pudessem ver com seus olhos o espetáculo que se oferece.
"Aqui nos encontramos e falamos por esta estação de
rádio, que foi requisitada para o serviço de comunicação, a fim de manter a
população informada e, com isso, auxiliar a paz e a manutenção da ordem.
Falamos aqui do serviço de imprensa. Estamos rodeados por jornalistas, que
teimam, também, em não se retirar, pedindo armas e elementos necessários para
que cada um tenha oportunidade de ser também um voluntário, em defesa da
legalidade.
"Não nos submeteremos a nenhum golpe"
"Esta é a situação! Fatos os mais sérios quero levar ao
conhecimento dos meus patrícios de todo o País, da América Latina e de todo o
mundo. Primeiro: ao me sentar aqui, vindo diretamente da residência, onde me
encontrava com minha família, acabava de receber a comunicação de que o ilustre
General Machado Lopes, soldado do qual tenho a melhor impressão, me solicitou
audiência para um entendimento. Já transmiti, aqui mesmo, antes de iniciar
minha palestra, que logo a seguir receberei S. Exa. com muito prazer, porque a
discussão e o exame dos problemas é o meio que os homens civilizados utilizam
para solucionar os problemas e as crises. Mas pode ser que essa palestra não
signifique uma simples visita de amigo. Que essa palestra não seja uma aliança
entre o poder militar e o poder civil, para a defesa da ordem constitucional,
do direito e da paz como se impõe neste momento, como defesa do povo, dos que
trabalham e dos que produzem, dos estudantes e dos professores, dos juízes e
dos agricultores, da família.
"Todos, até as nossas crianças desejam que o poder
militar e o poder civil se identifiquem nesta hora para vivermos na legalidade.
Pode significar, também, uma comunicação ao Governo do Estado da sua deposição.
Quero vos dizer que será possível que eu não tenha oportunidade de falar-vos
mais, que eu nem deste serviço possa me dirigir mais, comunicando
esclarecimentos à população. Porque é natural que, se ocorrer a eventualidade
do ultimato, ocorrerão, também, conseqüências muito sérias. Porque nós não nos
submeteremos a nenhum golpe, a nenhuma resolução arbitrária. Não pretendemos
nos submeter. Que nos esmaguem! Que nos destruam! Que nos chacinem, neste
Palácio! Chacinado estará o Brasil com a imposição de uma ditadura contra a
vontade de seu povo. Esta rádio será silenciada tanto aqui como nos
transmissores. O certo porém é que não será silenciada sem balas. Tanto aqui
como nos transmissores estamos guardados por fortes contingentes da Brigada
Militar.
"Assim, meus amigos, meus conterrâneos e patrícios
ficarão sabendo por que esta rádio silenciou. Foi porque ela foi atingida pela
destruição e porque isso ocorreu contra a nossa vontade. E quero vos dizer por
que penso que chegamos a viver horas decisivas.
"Os americanos, que espoliam e mantêm nossa pátria na
miséria"
"Muita atenção, meus conterrâneos, para esta
comunicação. Ontem à noite o Sr. Ministro da Guerra, Marechal Odílio Denys,
soldado no fim de sua carreira, com mais de 70 anos de idade, e que está
adotando decisões das mais graves, as mais desatinadas, declarou através do
'Repórter Esso' que não concorda com a posse do Sr. João Goulart, que não
concorda que o Presidente constitucional do Brasil exerça suas funções legais!
Porque, diz ele numa argumentação pueril e inaceitável, isso significa uma opção
entre comunismo ou não. Isso é pueril, meus conterrâneos. Isso é pueril, meus
patrícios! Não nos encontramos nesse dilema. Que vão essas ou aquelas doutrinas
para onde quiserem. Não nos encontramos entre uma submissão à União Soviética
ou aos Estados Unidos. Tenho uma posição inequívoca sobre isto. Mas tenho
aquilo que falta a muitos anticomunistas exaltados deste Pais, que é a coragem
de dizer que os Estados Unidos da América, protegendo seus monopólios e
trustes, vão espoliando e explorando esta Nação sofrida e miserabilizada. Penso
com independência. Não penso ao lado dos russos ou dos americanos. Penso pelo
Brasil e pela República. Queremos um Brasil forte e independente. Não um Brasil
escravo dos militaristas e dos trustes e monopólios norte-americanos Nada temos
com os russos. Mas nada temos também com os americanos, que espoliam e mantêm
nossa pátria na pobreza, no analfabetismo e na miséria.
"Esses que muito elogiam a estratégia norte-americana
querem submeter nosso povo a esse processo de esmagamento. Mas isso foi dito
pelo Ministro da Guerra. Isso quer dizer que S. Exa. tomará todas as medidas
contra o Rio Grande. Estou informado de que todos os aeroportos do Brasil, onde
pousam aviões internacionais de grande porte, estão guarnecidos e com ordem de
prender o Sr. João Goulart no momento da descida. Há pouco falei, pelo
telefone, com o Sr. João Goulart em Paris, e disse a ele que todas as nossas
palestras de ontem foram censuradas. Tenho provas. Censuradas nos seus efeitos,
mas a rigor. A companhia norte-americana dos telefones deve ter gravado e
transmitido os termos de nossas conversas para essas forças de segurança. Hoje
eu disse ao Sr. João Goulart: 'Decides de acordo com o que julgares
conveniente. Ou deves voar, como eu aconselho, para Brasília, ou para um ponto
qualquer da América Latina. A decisão é tua! Deves vir diretamente a Brasília,
correr o risco e pagar para ver. Vem. Toma um dos teus filhos nos braços. Desce
sem revólver na cintura, como um homem civilizado. Vem como para um País culto
e politizado como é o Brasil e não como se viesse para uma republiqueta, onde
dominam os caudilhos, as oligarquias que se consideram todo-poderosas. Voa para
o Uruguai, então, essa cidadela da liberdade, aqui pertinho de nós, e aqui
traça os teus planos, como julgares conveniente'".
"Então, o Exército é agente da desordem, soldados do
Brasil?"
"Vejam, meus conterrâneos, se não é loucura a decisão
do Ministro da Guerra. Vejam, soldados do Brasil, soldados do III Exército!
Comandante, General Machado Lopes! Oficiais, sargentos e praças do III
Exército, guardiães da ordem da nossa Pátria. Vejam se não é loucura. Esse
homem está doente! Esse homem está sofrendo de arteriosclerose ou outra coisa.
A atitude do Marechal Odilio Denys é uma atitude contra o sentimento da Nação.
Contra os estudantes e intelectuais, contra o povo, contra os trabalhadores,
contra os professores, juízes, contra a Igreja. Ainda há pouco, conversando com
S. Exª. Revª. Arcebispo D. Vicente Scherer, recebi a comunicação de que todos os
cardeais do Brasil haviam decidido lançar proclamação pela paz, pela ordem
legal, pela posse a quem constitucionalmente cabe governar o Brasil, pelo voto
legítimo de seu povo. Essa proclamação está em curso pelo País. As Igrejas
protestantes, todas as seitas religiosas clamam por paz, pela ordem legal. Não
é a ordem do cemitério ou a ordem dos bandidos. Queremos ordem civilizada,
ordem jurídica, a ordem do respeito humano. É isso. Vejam se não é desatino.
Vejam se não é loucura o que vão fazer. Podem nos esmagar, num dado momento.
Jogarão o País no caos. Ninguém os respeitará. Ninguém terá confiança nessa
autoridade que será imposta, delegada de uma ditadura. Ninguém impedirá que
este País, por todos os seus meios, se levante lutando pelo poder. Nas cidades
do interior surgirão as guerrilhas para defesa da honra e da dignidade, contra
o que um louco e desatinado está querendo impor à família brasileira. Mas
confio, ainda, que um homem como o General Machado Lopes, que é soldado, um
homem que vive de seus deveres, como centenas, milhares de oficiais do
Exército, como esta sargentada humilde, sabe que isso é uma loucura e um
desatino e que cumpre salvar nossa Pátria. Tenho motivos para vos falar desta
forma, vivendo a emoção deste momento, que talvez seja, para mim, a última
oportunidade de me dirigir aos meus conterrâneos. Não aceitarei qualquer
imposição.
"Desde ontem organizamos um serviço de captação de
notícias por todo o território nacional. É uma rede de radioamadores, num
serviço organizado. Passamos a captar, aqui, as mensagens trocadas, mesmo em
código e por teletipos, entre o III Exército e o Ministério da Guerra. As mais
graves revelações quero vos transmitir. Ontem, por exemplo - vou ler
rapidamente, porque talvez isso provoque a destruição desta rádio -, o Ministro
da Guerra considerava que a preservação da ordem "só interessa ao
Governador Brizola". Então, o Exército é agente da desordem, soldados do
Brasil?! E outra prova da loucura! Diz o texto: "É necessário a firmeza do
III Exército para que não cresça a força do inimigo potencial".
"Eu sou inimigo, meus conterrâneos?! Estou sendo
considerado inimigo, meus patrícios, quando só o que queremos é ordem e paz.
Assim como esta, uma série de outras rádios foi captada até no Estado do
Paraná, e aqui as recebemos por telefone, de toda a parte. Mais de cem pessoas
telefonaram e confirmaram. Vejam o que diz o General Orlando Geisel, de ordem
do Marechal Odílio Denys, ao III Exército: "Deve o Comandante do III
Exército impedir a ação que vem desenvolvendo o Governador Brizola";
"deve promover o deslocamento de tropas e outras medidas que tratam de
restituir o respeito ao Exército"; "o III Exército deve agir com a
máxima urgência e presteza"; "faça convergir contra Porto Alegre toda
a tropa do Rio Grande do Sul que julgar conveniente"; "a Aeronáutica
deve realizar o bombardeio, se for necessário"; "está a caminho do
Rio Grande uma força-tarefa da Marinha de Guerra", e "mande dizer
qual o reforço de que precisa". Diz mais o General Geisel: "Insisto
que a gravidade da situação nacional decorre, ainda, da; situação do Rio Grande
do Sul, por não terem, ainda, sido cumpridas as ordens enviadas para coibir
ação do Governador Brizola"
"Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar"
"Era isto, meus conterrâneos. Estamos aqui prestes a
sofrer a destruição. De vem convergir sobre nós forças militares para nos
destruir, segundo determinação do Ministro da Guerra. Mas tenho confiança no
cumprimento do dever dos soldados, oficiais e sargentos, especialmente do
General Machado Lopes, que, esperamos, não decepcionará a opinião gaúcha.
Assuma, aqui, o papel histórico que lhe cabe. Imponha ordem neste País. Que não
se intimide ante os atos de banditismo e vandalismo, ante esse crime contra a
população civil, contra as autoridades. É uma loucura.
"Povo de Porto Alegre, meus amigos do Rio Grande do
Sul! Não desejo sacrificar ninguém, mas venham para a frente deste Palácio,
numa demonstração de protesto contra essa loucura e esse desatino. Venham, e se
eles quiserem cometer essa chacina, retirem-se, mas eu não me retirarei e aqui
ficarei até o fim. Poderei ser esmagado. Poderei ser destruído. Poderei ser
morto. Eu a minha esposa e muitos amigos civis e militares do Rio Grande do
Sul. Não importa. Ficará o nosso protesto, lavando a honra desta Nação. Aqui
resistiremos até o fim. A morte é melhor do que vida sem honra, sem dignidade e
sem glória. Aqui ficaremos até o fim. Podem atirar. Que decolem os jatos! Que
atirem os armamentos que tiverem comprado à custa da fome e do sacrifício do
povo! Joguem essas armas contra este povo. Já fomos dominados pelos trustes e
monopólios norte-americanos. Estaremos aqui para morrer, se necessário. Um dia.
nossos filhos e irmãos farão a independência do nosso povo! Um abraço, meu povo
querido! Se não puder falar mais, será porque não me foi possível! Todos sabem
o que estou fazendo! Adeus, meu Rio Grande querido! Pode ser este, realmente, o
nosso adeus! Mas aqui estaremos para cumprir o nosso dever".
Radio Guaíba